sexta-feira, 18 de maio de 2012

Calamidade pública

Entramos em um estado bobo de conformidade sem nos dar conta. Todos os dias, enquanto a rotina se forma, enquanto nossos pulmões respiram o ar dos mesmos lugares, os mesmos acenos de cabeça, os mesmos comentários com as colegas que sentam ao lado, corpos balançando no transporte público lotado, estampados com o cansaço. E as mesmas dores de cabeça, os mesmos pensamentos quando deitamos a cabeça no travesseiro. As mesmas decisões de mudança. "Hoje eu vou fazer diferente", mas os dias vão tão iguais que não se nota se fomos diferentes ou não.
Você com aquela mesma crise de consciência, e as mesmas conversas ao telefone. "Como você vai?", "Na mesma, sabe". E a saudade que já se conhece, e a mesma espera comprida por uma ligação. Conformidade, é isso. Você sabe que um dia eu ligarei, então está tudo bem. Estamos em estado de paz.
E está tudo bem, porque as repetições são tantas que acabam se fazendo como raios, levando nossas vidas para frente, sempre esperando que haverá um dia em que as coisas vão ser nitidamente diferentes. Mas elas realmentese tornam diferentes! Pergunto-me sem parar como, se um dia parece tão igual ao anterior? Como, se estávamos desesperados pela passagem dos anos e agora que eles se passaram parece que nem os vivemos! Nós nos conhecemos tão bem e tão mal, porque somente esses poucos anos são tantos!
O que se transforma em cômodo se transforma em invisível. Desaparecemos todos os dias. Então tente me encontrar a cada vez que o dia nascer.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Amigos para sempre

Ele sabia muito bem o que sentia, e se estava longe de ser qualquer tipo de sentimento romântico, se aproximava de redenção. Redenção de si próprio. Como se ele precisasse mostrar a si mesmo que podia ser para ela o que ninguém lhe foi: um amigo de verdade.
E ele esteve firme durante os anos, durante as inconstâncias, durante as quedas e deslizes. Sofreu, mas esteve ali. Nunca havia conhecido alguém tão certa e tão errada de uma vez só. Tão parecida com ele e tão oposta que era como conhecer seu melhor e seu pior lado quando estava com ela.
E ela sabia que não era o melhor para ele, sabia que ele merecia muito mais, mas ele fazia despertar nela uma vontade de ser melhor. Ela sabia tão bem que não era boa para ele que se deixou seduzir pelo fato de que ele se manteve ali, mesmo a conhecendo. E com a química inegável, com a beleza daquela relação, ela achou que o melhor era se apaixonar por ele. Não encontraria alguém que continuasse tão firme. Tentou, tentou, e enquanto estava com ele era como se pudesse até conseguir.
Enquanto a beijava, ele se sentia dividido entre a culpa de fazê-lo sem sentir nada que lhe exigisse aquilo e entre o sentimento divertido de calor que percorria suas veias enquanto ele matava um pouco de sua carência. Porque apesar de tudo, sabia que ela não conseguiria se apaixonar por ele, e nem era o que ele queria, porque tinha certeza que não a amava. Na verdade mesmo, ele nunca havia se apaixonado, e não achava que precisasse tão cedo.
Mas quando se separaram e ele provou estar certo, sentiu falta de saber que ela tentava se apaixonar por ele. Porque era bom. Porque precisava. Porque muitas outras já se apaixonaram por ele por muito menos. Então por que ela não podia fazer o mesmo?
Ele não estava nem sequer perto dela para tentar seduzí-la (sabia que era o que fazia, mesmo que sem querer), não estava perto para abraçá-la, para assistir filmes com ela, e achava que quem a seduziria seria alguém que estivesse mais perto. Era isso, ele sentia falta de mexer com ela.
Ele tinha lutado pela sanidade dela mais do que qualquer um e a merecia, merecia ser o melhor amigo dela. Mas as coisas já estavam tão diferentes, ela já tinha um melhor amigo na casa ao lado, e esse sim estava lá, ao lado dela. Mesmo que esse não a conhecesse pela metade do tempo que ele conhecia, era esse que estava ali! Ele... Ele estava a milhares de quilômetros dela. Sentiu então, que se não pudesse ser seu único melhor amigo verdadeiro, o melhor mesmo era desistir. Não suportava ser o segundo.
Então... deveria desistir?