quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Menos é mais


Estava eu falando sobre corvos, sobre quão deplorável é ter o cadáver abandonado para ser devorado por tais animais; ter o corpo pobre sendo partido em pedaços por bicos dilaceradores de bichos insensíveis. Mas eu comentava que deplorável mesmo era se deixar ser consumido enquanto vivo, alimentar corvos parasitas pousados em seus ombros: criá-los. O sorriso no rosto tendo sido rasgado por bicadas violentas, e o buracos no crânio feito por unhadas.
Pensava eu sobre as corujas, e sobre a raridade que é ver alguma por aí. Tão raras que são capazes de seduzir o espectador. Pois bem, eu pensava na sensação de criar corujas, em tê-las atentas a você, em deixá-la eliminar ratos e cobras que pudessem aparecer por perto. Olhos atentos de sabedoria, canto baixo, postura calma e confiante. Mas não passa daí: elas isentam-se de afeição, e criá-las implica na consciência da falsa sensação de companhia. Até mesmo a sabedoria é objeto momentâneo, porque sua cabeça se confunde, gira como que em 360 graus e os próprios olhos não conseguem acompanhar. Não importa o quanto se perceba que elas são confusas, mantêm a pose de espertas e conseguem convencer a qualquer um. Sim, criar corujas é se deixar ser usado e sempre esperar por algo que não se tem.
Uns criam corvos, outros corujas, peixes dourados ou cães. Outros, aqueles mais espertos, não criam nada. E esses últimos, se podem parecer sozinhos, são na verdade os mais afortunados, porque se livram das decepções, de se apegarem e depois serem abandonados. São felizes os que não criam nada porque são livres, sem bicadas violentas, sem ilusões de afeição; sem servir de alimento para qualquer coisa, nem ser objeto de pesquisa.
Enquanto os corvos voam, as corujas se escondem, os peixes pulam para fora d'água e os cães se perdem, aqueles que não criam nada não vão chorar por coisa alguma, porque não foram enganados. Estão salvos, enquanto os outros perecem.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A volta do filho pródigo

Notou-se cedo que ele era um imã de confusões. Ainda menino eram poucas as vezes que não voltava para casa com os joelhos ralados ou olhos roxos. Tinha sempre as ideias mais perigosas, era atraido pelos colegas aventureiros; nunca pelos cautelosos. Era criativo, brilhante, curioso, mas influenciável, porque gostava de ter a quem culpar se algo desse errado. E sempre dava.
Sua mãe sabia de todos os seus atributos e talvez por isso não conseguisse lhe largar o pé. "Ele tem imã para confusões", dizia quando alguém ousava se meter em seu estilo de educação para criticar seu zelo exagerado. Mas esse zelo se devia apenas pelo fato de que ela o conhecia bem demais. Ele tinha mesmo imã para confusões e se largasse dele por um segundo sabia que algo errado podia acontecer. O teve já fora de idade, era filho único, bonito como o pai. E zelava dele pela simples razão de amá-lo.
Ele às vezes não entendia, chegou a fugir dela por um tempo para livrar-se daquilo tudo, mas sua sina o acompanhou, e ele voltou aos braços dela depois de ter atingido o fundo do poço. Se destruiu, se perdeu, caiu em sofrimento. Percebeu que precisava do amor de sua mãe.
O menino cresceu, continuou se metendo em problema atrás de problema, e a cada um ele via a mãe chorar. Ela chorava de medo, medo por ele. Ele chegou a se ajoelhar na frente dela e prometer que não a deixaria. "Não conseguiria viver sem você", ele disse. E não importava o quanto soubesse que ele era inconstante, aceitou a promessa.
Mas então houve um dia em que ele se pegou olhando no espelho e percebendo que não se conhecia longe da asa de sua mãe. Não podia ficar ali para sempre, já era adulto e precisava caminhar com as próprias pernas. Precisava de alguns amigos - não dos aventureiros e destemidos, mas daqueles que encaram a aventura mesmo morrendo de medo - e de uma nova vida. Foi assim que, sem avisar, fugiu. Desapareceu, foi para onde não o encontrassem. Sabia que a estava decepcionando, mas foi mesmo assim.
E aquela mãe ficou esperando. Deixava ir a mil o coração a cada toque do telefone, chorava a cada vez que a campainha fazia barulho e procurava pelo rosto dele em cada multidão pela qual passava. Os anos se foram assim, e chegou um tempo que ela parou de esperar. Ficou louca, esquecida; perguntava o nome do marido três vezes no mesmo dia.
Sentada em sua cadeira de balanço que rangia a cada movimento, esqueceu que teve um filho.
E quando ele finalmente resolveu voltar, arrependido, ela não o conhecia mais e não quis um estranho em sua casa. Alguns dizem que ela fingia a loucura para não ter de lidar com os anos em que ele se manteve quebrando a promessa de que não a deixaria, não ter de lidar com o fato de que aquilo tudo que ele lhe dissera era mentira, aquilo de que não podia viver sem ela.
Mas se era fingimento, ela se manteve firme a ele até o fim. Não importava o quanto ele chorasse dizendo que a amava, ela não reconhecia mais aquela voz. E antes de morrer ela disse em voz alta: "vou, mas vou em paz, porque não deixei nenhuma alma para chorar por mim".

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Proclamação de paz

Tenho uma bandeira branca escondida debaixo da blusa, ando sobre os destroços da guerra que ainda não tem fim certo. Não se sabe se ainda restam inimigos espreitando atrás das árvores, não se sabe se existem minas terrestres enterradas sob o chão em que piso. Sinto as cicatrizes arderem e os músculos reclamarem do cansaço, só não posso parar enquanto não achar abrigo. Mas não tenho como saber se o primeiro que achar será um abrigo de tropas amigas ou não. O risco de ser capturada é pior do que a espera, sozinha.
E a bandeira continua bem guardada. Poderia simplesmente agitá-la enquanto ninguém estava olhando, mas os meus olhos ainda veriam esse gesto. Talvez tenha sido suficiente para mim ter me livrado da minha armadura no caminho - pensei diversas vezes em voltar, mas já andei demais. Não me importa que ter ocupado um braço com a função de guardar a bandeira branca me faça perder um pouco da agilidade e coordenação durante a caminhada: preciso saber que ela está segura.
Enquanto ando os cabelos me batem o rosto, vermelhos com a terra solta que se levanta, que teima em entrar nos olhos e dificultar a visão de alguns palmos diante de mim. As roupas rasgadas, sujas, e não reparei a falta de sapatos até pisar por acidente em uma poça d'água. Não exatamente água, mas lama, e uma lama gelada que instantaneamente me fez lembrar das longas brincadeiras de infância na terra molhada em dias de chuva. Parei e fechei os olhos, perdi os sentidos, relaxei.
Minha mão soltou-se da bandeira e ela despencou direto para a poça, manchando-se de vermelho e mudando de sentido. A apanhei e vi como se fosse sangue a terra vermelha que escorria por ela. O branco da minha bandeira estava indefinidamente extinto, sua ideia descansava longe de mim, e pensei se devia tê-la agitado pelo menos uma vez enquanto era branca. Percebi então que já o tinha feito. Percebi que enquanto andava, o tecido alvo da bandeira alisava minha pele, como se flamulasse por dentro do próprio abrigo que construí para ela.
A bandeira que agora sangrava ficou pelo caminho, porque abominei sua nova aparência e precisava deixá-la para trás. Chorei pela bandeira branca. Mas não lembrei que eu mesma estava naquele mesmo estado, suja de um sangue que não era meu, e, mais importante ainda, não percebi que se a tivesse trazido comigo, poderia ter usado minhas lágrimas para lavá-la.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Hands down

Não importa quanto poder se tem nas mãos, porque as coisas que mais importam escorrem delas como sopa em boca de bebê. E as relações impossíveis, e os ciúmes que beiram a inveja, as bocas que se sente falta, os abraços, as conversas. Deixa-se escorrer até a tristeza, porque essa se transforma em conformismo, naquele velho balançar de ombros. Mas ainda sorrimos, porque se vive todos os dias, e um de cada vez.
Mas não consigo dizer tudo, sou atormentada. Ignoro textos inteiros que se formam em minha cabeça, porque estou ocupada forçando a saída de outros de que não preciso. Já não suporto o peso das palavras, as amontoo em uma pilha esquecida até que estejam velhas e prontas para serem jogadas fora, longe. Não vão longe; ficam. Ficam, e quando saem sem querer me fazem mal. Me fazem pequena, besta, cansada.
Gostaria de não ter entrado nesse jogo em que estamos, mas já que o tempo não volta, gostaria de ter forças para sair dele. Você não permite. Mas é sempre assim, há sempre o que me trazer de volta, há sempre algo me mantendo flutuando em mar aberto, sempre para cima e para baixo com o movimento das ondas. Enjoada, é claro.
Apreciaria dizer, verdadeiramente, que não ligo, mas não posso dizer isso com tantas imagens passando pela minha cabeça. Seria bom saber controlá-la. Contudo há um longo caminho até a exaustão que me levaria a ter tamanho controle, tamanho poder. Acho que só tenho começado a aceitar, a entender.
Só não sei para que par de olhos começar a olhar...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Growing angel

Já deve ter dado para perceber que abri uma porta na muralha de proteção que eu mantinha entre a gente, certo? Uma muralha que você não pode me culpar por existir, e que, sinceramente, foi bom para mim mantê-la fechada por um tempo. Mas você sabe que ainda precisa bater na porta, e tem respeitado isso muito bem. Gosto mesmo dos seus esforços para ganhar minha confiança; mesmo antes dessa sua mudança esses esforços quase não existiam.
Não que seja uma explicação boa o suficiente, mas acho que foi por isso que pensei que "nos conhecer em outros níveis" não fosse tão complicado. Nunca senti que eu pudesse causar nada demais em você, pelo jeito que você era, ou que agia comigo. E, como pode perceber, tenho pensado na nossa conversa sobre esse assunto, ainda me sentindo meio culpada, meio boba por achar que podia ser normal. Mas é só porque não somos normais. Como eu disse, não é uma explicação muito boa.
E sabe o que mais? Você tem razão! Pode ser simples em alguma parte da minha cabeça, mas somos realmente complicados. Complicados como uma das histórias que escrevo em meus livros, talvez. E acho que tenho me sentido um tanto insensível por ignorar esse fato. É que, no fim de tudo, quando você me contou aquele sonho que teve comigo, fico pensando que existe realmente o risco de que eu diga, na vida real, aquela mesma coisa que te disse em sonho. E se você respondesse que não, acho que, de verdade, ficaria muito feliz pelo passo que isso representa para a nova pessoa que você quer ser, mas confesso que sentiria a maior saudade de beijá-lo. Correndo o risco de soar insensível outra vez, era mesmo bom ter alguém para beijar sem que uma confusão fosse formada em minha cabeça. E não formava. Pela distância, pela impossibilidade e pela insegurança.
E a insegurança ainda existe; e se antes era por eu ter medo de que você não fosse mudar nunca, agora é pelo medo de que essas mudanças que aconteceram – porque aconteceram – já estão fixadas. Mas como eu disse, as mudanças aconteceram. E se eu abri aquela porta para você é porque eu quero te ver se tornando seguro quanto a elas. Estou feliz pelo novo você, devo dizer. Tem sido mais fácil conversar contigo.
Acho que devia dizer algo fofinho pra encerrar, mas eu não sou muito de dizer coisas fofinhas, como já deve ter ficado claro durante os anos. Você que tem as bajulações mentirosas, digo, as coisas mais fofas a dizer – haha, piadinha. De qualquer forma, sabe que ainda estou aqui por você.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

All used up

Acostumamos nossos olhos ao feio, nossos ouvidos ao imoral, à calúnia. Acostumamos nossos lábios ao intragável, e à mentiras, e nossos narizes ao fétido. Acostumamos nossos braços à distância, e nossos abraços ao vazio, ao frio.
Pelos lábios de cada um de nós passam lábios estranhos, mãos estranhas acariciam nossas bochechas. Sorrisos que não exprimem nada, olhos que não sabem enxergar. Trocamos nossa humanidade pelo maquinal, nossos sonhos por dinheiro e nossa compaixão por ignorância. Acostumamos nossas mentes a duvidar do impossível, a rejeitar o divino, a rir da esperança. Deixamos que chamem nossa fé de fraqueza, deixamos que nos contaminassem com o ódio e a apatia. Acostumamos nossos cérebros com as imagens da televisão, nossos olhos com as luzes do computador, nossos polegares com as teclas inexistentes do celular. Trocamos os conselhos dos nossos pais pelos dos amigos instantâneos. Trocamos nossa saúde por fama, nos acostumamos a tomar a glória por alimento. Cantamos o que detestamos, vestimos o que nos deixa inseguros, dizemos o que o outro quer ouvir.
A liberdade de dizer um não foi trocada pelo medo de ser rejeitado. A precaução de recusar um copo a mais foi trocada pela busca de uma reputação que não queremos de verdade. Nossos sorrisos são vendidos em garrafas, nossos sentimentos transformados em números, e nossa vergonha é exposta em diferentes canais. Trocamos a confiança por cadeados, trocamos nossas vozes por lágrimas. Nos acostumamos a não amar, a não sermos amados. Nos acostumamos a nos vender por olhares, a olhar quem se vende. Corpos usados, cabeças perturbadas, mãos desobedientes, tiranas; bocas imundas. Mundo imundo, mal acostumado.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Calamidade pública

Entramos em um estado bobo de conformidade sem nos dar conta. Todos os dias, enquanto a rotina se forma, enquanto nossos pulmões respiram o ar dos mesmos lugares, os mesmos acenos de cabeça, os mesmos comentários com as colegas que sentam ao lado, corpos balançando no transporte público lotado, estampados com o cansaço. E as mesmas dores de cabeça, os mesmos pensamentos quando deitamos a cabeça no travesseiro. As mesmas decisões de mudança. "Hoje eu vou fazer diferente", mas os dias vão tão iguais que não se nota se fomos diferentes ou não.
Você com aquela mesma crise de consciência, e as mesmas conversas ao telefone. "Como você vai?", "Na mesma, sabe". E a saudade que já se conhece, e a mesma espera comprida por uma ligação. Conformidade, é isso. Você sabe que um dia eu ligarei, então está tudo bem. Estamos em estado de paz.
E está tudo bem, porque as repetições são tantas que acabam se fazendo como raios, levando nossas vidas para frente, sempre esperando que haverá um dia em que as coisas vão ser nitidamente diferentes. Mas elas realmentese tornam diferentes! Pergunto-me sem parar como, se um dia parece tão igual ao anterior? Como, se estávamos desesperados pela passagem dos anos e agora que eles se passaram parece que nem os vivemos! Nós nos conhecemos tão bem e tão mal, porque somente esses poucos anos são tantos!
O que se transforma em cômodo se transforma em invisível. Desaparecemos todos os dias. Então tente me encontrar a cada vez que o dia nascer.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Amigos para sempre

Ele sabia muito bem o que sentia, e se estava longe de ser qualquer tipo de sentimento romântico, se aproximava de redenção. Redenção de si próprio. Como se ele precisasse mostrar a si mesmo que podia ser para ela o que ninguém lhe foi: um amigo de verdade.
E ele esteve firme durante os anos, durante as inconstâncias, durante as quedas e deslizes. Sofreu, mas esteve ali. Nunca havia conhecido alguém tão certa e tão errada de uma vez só. Tão parecida com ele e tão oposta que era como conhecer seu melhor e seu pior lado quando estava com ela.
E ela sabia que não era o melhor para ele, sabia que ele merecia muito mais, mas ele fazia despertar nela uma vontade de ser melhor. Ela sabia tão bem que não era boa para ele que se deixou seduzir pelo fato de que ele se manteve ali, mesmo a conhecendo. E com a química inegável, com a beleza daquela relação, ela achou que o melhor era se apaixonar por ele. Não encontraria alguém que continuasse tão firme. Tentou, tentou, e enquanto estava com ele era como se pudesse até conseguir.
Enquanto a beijava, ele se sentia dividido entre a culpa de fazê-lo sem sentir nada que lhe exigisse aquilo e entre o sentimento divertido de calor que percorria suas veias enquanto ele matava um pouco de sua carência. Porque apesar de tudo, sabia que ela não conseguiria se apaixonar por ele, e nem era o que ele queria, porque tinha certeza que não a amava. Na verdade mesmo, ele nunca havia se apaixonado, e não achava que precisasse tão cedo.
Mas quando se separaram e ele provou estar certo, sentiu falta de saber que ela tentava se apaixonar por ele. Porque era bom. Porque precisava. Porque muitas outras já se apaixonaram por ele por muito menos. Então por que ela não podia fazer o mesmo?
Ele não estava nem sequer perto dela para tentar seduzí-la (sabia que era o que fazia, mesmo que sem querer), não estava perto para abraçá-la, para assistir filmes com ela, e achava que quem a seduziria seria alguém que estivesse mais perto. Era isso, ele sentia falta de mexer com ela.
Ele tinha lutado pela sanidade dela mais do que qualquer um e a merecia, merecia ser o melhor amigo dela. Mas as coisas já estavam tão diferentes, ela já tinha um melhor amigo na casa ao lado, e esse sim estava lá, ao lado dela. Mesmo que esse não a conhecesse pela metade do tempo que ele conhecia, era esse que estava ali! Ele... Ele estava a milhares de quilômetros dela. Sentiu então, que se não pudesse ser seu único melhor amigo verdadeiro, o melhor mesmo era desistir. Não suportava ser o segundo.
Então... deveria desistir?

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Far enough to make you miss me

É mais fácil fugir.
É mais fácil fugir, é mais fácil fazer silêncio. E tudo o que se precisa depois disso é aprender a domar a consciência. Se desligar.
O que se precisa é achar outros lugares para se esconder da chuva, é não esperar sempre pela calmaria quando só se enxerga tempestade. Quando a tempestade vem, deveríamos dançar em silêncio na chuva. Subir em barcos de papel e balançar junto com a correnteza. Porque é mais fácil fugir.
Se escolha eu tivesse, escolheria poder escolher, e eu escolheria o silêncio. Mas somos barulho, somos gargalhada, somos braços erguidos, somos o grito involuntário. Somos pura emoção, mesmo os que não sentem. Só fingem não sentir. E fingem, olhem só, pelo simples fato de que fugir é mais fácil.
E não fogem só os tristes. Os alegres fogem porque já não precisam voltar. Por isso é difícil voltar, por isso tenho voltado aos poucos, por isso tento fazer com que não seja volta, mas seja permanência. Talvez porque lugar seguro não seja mais. E sigo alegre a cantar, e sigo alegre a fugir, porque não posso evitar que seja mais fácil.
Mais fácil seria se mais fácil fosse.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Uma história de amor

Conheci uma vez um homem apaixonado. Não por alguém, ou sequer por alguma coisa, só apaixonado. E sua paixão era se apaixonar. Pelo desconhecido, pelo novo, por promessas feitas. E cada dia ele se apaixonava um pouco mais, e cada dia achava novas coisas para se apaixonar, e era um sentimento que adicionava uma nova substância às suas veias, mas por muito pouco tempo de cada vez, porque não era real, não eram paixões verdadeiras. E como fazer com que fossem? Afinal, ele precisava que fossem. Mas sabia que jamais conseguiria.
Então precisava se apaixonar por algo mais sólido. Talvez por cheiros, drogas, vícios. E ele se apaixonou pela sensação de ter os vícios misturados com aquela substância, e então achou estar se apaixonando por ele mesmo. Não sabia ele que só se apaixonara pela imagem no espelho, e a imagem não o conhecia, e a imagem passava a ser menos parecida com a matriz.
Até que ele percebeu, finalmente, a diferença. Chorou, lavando assim seus vícios. Desfez-se do espelho e aprendeu a difenciá-lo de si mesmo. Passou a abraçar mais os membros da família, ligou para os velhos amigos e selecionou os novos. Decidiu passar um tempo longe, se curar, se achar e se perder.
Mas algo o atingiu. Um sentimeto novo, uma sensação que não tivera antes. Ou tivera?
Achou ser paixão. É, paixão das boas, e achou que fosse real. Estava atônito com a descoberta. Como pudera se apaixonar tantas vezes e nunca sentir… Não, espera. Tinha acabado. Tinha acabado exatamente como das outras vezes. E de repente estava olhando para o espelho outra vez, e alimentando seus vícios, e mesmo que dessa vez ele se odiasse, as coisas pareciam querer voltar para como eram. Foi então que descobriu que a paixão que era apaixonada por ele. Ela que o perseguia. E depois de descobrir isso parecia sufocante, e louco, e atormentador, e… Pacífico.
No fim de tudo, a paixão o seduziu, até que ele se apaixonou por ela mais uma vez. Quebrado, é claro, mas ela prometeu ser carinhosa e gentil. Ela prometeu que ia... fazê-lo adormecer.