Estava eu falando sobre corvos, sobre quão deplorável é ter o cadáver abandonado para ser devorado por tais animais; ter o corpo pobre sendo partido em pedaços por bicos dilaceradores de bichos insensíveis. Mas eu comentava que deplorável mesmo era se deixar ser consumido enquanto vivo, alimentar corvos parasitas pousados em seus ombros: criá-los. O sorriso no rosto tendo sido rasgado por bicadas violentas, e o buracos no crânio feito por unhadas.
Pensava eu sobre as corujas, e sobre a raridade que é ver alguma por aí. Tão raras que são capazes de seduzir o espectador. Pois bem, eu pensava na sensação de criar corujas, em tê-las atentas a você, em deixá-la eliminar ratos e cobras que pudessem aparecer por perto. Olhos atentos de sabedoria, canto baixo, postura calma e confiante. Mas não passa daí: elas isentam-se de afeição, e criá-las implica na consciência da falsa sensação de companhia. Até mesmo a sabedoria é objeto momentâneo, porque sua cabeça se confunde, gira como que em 360 graus e os próprios olhos não conseguem acompanhar. Não importa o quanto se perceba que elas são confusas, mantêm a pose de espertas e conseguem convencer a qualquer um. Sim, criar corujas é se deixar ser usado e sempre esperar por algo que não se tem.
Uns criam corvos, outros corujas, peixes dourados ou cães. Outros, aqueles mais espertos, não criam nada. E esses últimos, se podem parecer sozinhos, são na verdade os mais afortunados, porque se livram das decepções, de se apegarem e depois serem abandonados. São felizes os que não criam nada porque são livres, sem bicadas violentas, sem ilusões de afeição; sem servir de alimento para qualquer coisa, nem ser objeto de pesquisa.
Enquanto os corvos voam, as corujas se escondem, os peixes pulam para fora d'água e os cães se perdem, aqueles que não criam nada não vão chorar por coisa alguma, porque não foram enganados. Estão salvos, enquanto os outros perecem.
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