segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Um simples tipo

Eu reconheço que sou complicada. Sou desse tipo de mulher que deseja fortemente ter os pensamentos lidos ou as ações interpretadas. Sou do tipo que pede desculpa sem estar arrependida, só pra saber quais os reais sentimentos daquele alguém, só pra dar a ele uma chance de dizer que não há o que ser perdoado porque tudo está muito bom. E queria mesmo que isso fosse bem claro, do contrário me arrependo de ter pedido desculpas e tenho vontade de pedir outra vez.
Eu gostaria de que se prestasse atenção no período de ação dos meus hormônios, só pra poder receber mais carinho. Um carinho que não fosse pedido, fosse adivinhado, obviamente, e dado de bom grado em troca de todas as vezes que pedi desculpas sem precisão.
Sou do tipo que espera já ter dito o suficiente pra que toda minha personalidade esteja clara, cristalina o suficiente para que se preveja meu próximo desejo.
Sou também do tipo brincalhona, piadista, que quer ser leve o bastante para não ter medo de falar besteiras e ter uma risada como resposta. Geralmente são assim minhas piadas, sem querer dizer muita coisa, sem deverem ser entendidas literalmente. Não são verdades ao tom de brincadeira. São só brincadeiras.
Sou do tipo que faz de tudo para agradar, que fica genuinamente feliz em saber que está satisfazendo um desejo de alguém sem ser atrapalhada, mas que também deseja ter esse tipo de ação reconhecida, mesmo sem precisar ser paga.  Eu sou complicada ao ponto de ter medo de brigas, de assumir a culpa com orgulho ferido pra poder não ver uma testa franzida, um olhar carrancudo. Minha complicação envolve não saber falar minhas angústias sem chorar. Muito. Copiosamente. Chorar esperando uma confissão em retorno, algo sincero, o primeiro pensamento que passou a cabeça.
Eu sou do tipo de mulher que faz as perguntas com respostas das mais dolorosas de ouvir, só pra saber que ações não devo copiar, que tipo de memórias devo mudar. Quero aprender ao máximo da personalidade do meu alguém, quero entender como transformar uma careta em um sorriso, mas sou complicada o suficiente para querer ser suficiente, querer poder fazer o que ainda não sei para deixar tudo sempre bem. 
Sou complicada por querer aprender que preciso ser um pouco mais simples, e tentar fazer isso da forma mais complicada. Mas aos poucos talvez dê certo. Aos poucos eu descomplico, ou complico alguém comigo. Seguir sempre sorrindo, ao infinito, além, e ao paraíso. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Enquanto isso, no lustre do castelo...


Há certas coisas na vida que não temos como prever. Ou você vive e corre o risco de se arrepender de ter feito depois, ou simplesmente não vive e passa o resto dos dias imaginando como teria sido. Eu, especificamente, me sinto mais confortável não vivendo essas tais coisas. Pode dizer de mim o que quiser, mas não vejo problema nenhum em só imaginar o que não fiz, até porque, se eu não fiz, é porque imagino que o final não é assim tão maravilhoso para se sentir falta.
Mas então existem aqueles pequenos momentos da sua vida em que você se deixa deslizar e aí acontece. E quando acontece nem sempre é fácil de parar ou de voltar atrás; somos humanos e nos atraímos por aventuras como mosquitos são atraídos pela luz. Metáfora perfeita, porque às vezes acabamos nos queimando.
Umas dessas aventuras tem um nome que se explica sozinho e basicamente todo mundo já passou por ela: se chama "acreditar no que os outros nos dizem". Tarefa difícil para minha pessoa, devo dizer.  Mas, de vez em quando, o coração pede um pouco mais de confiança e decide se aventurar pelas nebulosas florestas ao redor do castelo. O problema é que não há como saber que caminho é o mais seguro, porque não importa quantas vezes você já cortou os galhos para formar uma trilha, a floresta se revitaliza rápido demais.
Escolha você: talvez ele não deva sair de casa, talvez ele deva levar algum amigo mais sensato - como o cérebro. Esse é como sua mãe atravessando a rua com você: não importa sua idade, ela vai segurar sua mão porque para ela você sempre será bobinho demais para olhar para os lados. Bom, até que um descuido qualquer e o coração se perde.
É que o coração se acha maduro o suficiente para achar o próprio caminho, acha que as boas experiências que teve e o amor que distribuiu são capazes de criar para ele alguns amigos que estarão lá para ajudar em qualquer situação. Devia saber que o amor que deu só serve para si mesmo, e as experiências que teve lhe renderam apenas alguns sorrisos gravados na memória e fotografias coladas na porta do armário.
O que isso tem a ver com acreditar nas pessoas? Bom, talvez queira dizer que é um trabalho que deve ser examinado com o cérebro, quando possível. Não importa a beleza dos olhos que olham para os seus, não importa a delicadeza do toque das mãos que seguram as suas, não importa a sutileza dos lábios que te beijam, se seu cérebro não encontra total verdade nas palavras que ouviu.
Apenas um pequeno detalhe é importante ser lembrado: o cérebro vê tão melhor do que o coração que muitas vezes prefere que esse segundo não tente ver nada. Sim, o cérebro acaba por limitar o trabalho do seu parceiro. Se viver a aventura é assim tão importante, então feche os olhos e corra até ela antes que o cérebro perceba onde está indo. Se algo der errado, ele sempre estará lá para consolar o coração.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O fermento ideal


Ela tinha um monstro dentro de si que parecia indestrutível. Isso porque sabia enganá-la muito bem, sabia como se manter vivo. O ódio dela pelo monstro era claro, e sempre que podia ela parava de alimentá-lo, não importava o quanto a machucasse, já que ele era parte dela.
Mas as boas intenções dela não eram o suficiente. O monstro era alimentado por outras pessoas ao seu redor - pelos monstros de cada uma delas que queriam apenas alguém com quem dividir a brincadeira. E ele, baixinho, dizia no ouvido dela que seria só por pouco tempo, que não ficaria acordado até tarde. O monstro era sedutor, era divertido, sensível. Ela podia senti-lo acariciar sua nuca e pedir que ela só relaxasse.
Ela relaxava. Relaxava porque quando o monstro estava acordado dentro de si as pessoas elogiavam seu sorriso com mais frequência. As pessoas a convidavam para festas, a abraçavam mais, a saciavam mais. O que importava se o monstro estava sendo alimentado? Talvez os dois pudessem formar uma dupla!
Problema é que ela era muito pouco para ele, muito chata quando estava sozinha, muito pensativa, muito carente. Ele só a queria quando ela o ignorava: era definitivamente mais divertido - como um troféu depois de ganhar um jogo.
Assim era como o monstro a consumia, a cobrindo com um tipo de dúvida cruel demais para se sanar. Ela poderia a) alimentá-lo mais para vê-lo ficar satisfeito e gostar dela; ou b) deixá-lo definhar. Qualquer caminho que ela escolhia a fazia sofrer.
Deixando-se influenciar tanto pelo monstro dentro de si, indo e voltando tantas vezes, ela se achava, aqui e ali, sentindo falta das pessoas que a amavam de verdade. Aquelas que davam o sangue para batalhar junto a ela contra o monstro, e que aproveitavam cada vitória para ajudá-la a conhecer-se sem ele. Mas nas vezes que, sem perceber, ela mudava de lado durante a batalha, alguém acabava indo embora de sua vida.
Ela tinha um monstro dentro de si que parecia indestrutível, mas não existe uma pessoa sequer que também não tenha um, todos do mesmo tamanho, da mesma intensidade e igualmente assustador. Ninguém também é capaz de matá-lo, mas fazê-lo adormecer é quase tão importante, e fazê-lo adormecer um pouco mais cada dia, porque é nesse processo que começamos a tirar uma lição com a existência do monstro.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Menos é mais


Estava eu falando sobre corvos, sobre quão deplorável é ter o cadáver abandonado para ser devorado por tais animais; ter o corpo pobre sendo partido em pedaços por bicos dilaceradores de bichos insensíveis. Mas eu comentava que deplorável mesmo era se deixar ser consumido enquanto vivo, alimentar corvos parasitas pousados em seus ombros: criá-los. O sorriso no rosto tendo sido rasgado por bicadas violentas, e o buracos no crânio feito por unhadas.
Pensava eu sobre as corujas, e sobre a raridade que é ver alguma por aí. Tão raras que são capazes de seduzir o espectador. Pois bem, eu pensava na sensação de criar corujas, em tê-las atentas a você, em deixá-la eliminar ratos e cobras que pudessem aparecer por perto. Olhos atentos de sabedoria, canto baixo, postura calma e confiante. Mas não passa daí: elas isentam-se de afeição, e criá-las implica na consciência da falsa sensação de companhia. Até mesmo a sabedoria é objeto momentâneo, porque sua cabeça se confunde, gira como que em 360 graus e os próprios olhos não conseguem acompanhar. Não importa o quanto se perceba que elas são confusas, mantêm a pose de espertas e conseguem convencer a qualquer um. Sim, criar corujas é se deixar ser usado e sempre esperar por algo que não se tem.
Uns criam corvos, outros corujas, peixes dourados ou cães. Outros, aqueles mais espertos, não criam nada. E esses últimos, se podem parecer sozinhos, são na verdade os mais afortunados, porque se livram das decepções, de se apegarem e depois serem abandonados. São felizes os que não criam nada porque são livres, sem bicadas violentas, sem ilusões de afeição; sem servir de alimento para qualquer coisa, nem ser objeto de pesquisa.
Enquanto os corvos voam, as corujas se escondem, os peixes pulam para fora d'água e os cães se perdem, aqueles que não criam nada não vão chorar por coisa alguma, porque não foram enganados. Estão salvos, enquanto os outros perecem.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A volta do filho pródigo

Notou-se cedo que ele era um imã de confusões. Ainda menino eram poucas as vezes que não voltava para casa com os joelhos ralados ou olhos roxos. Tinha sempre as ideias mais perigosas, era atraido pelos colegas aventureiros; nunca pelos cautelosos. Era criativo, brilhante, curioso, mas influenciável, porque gostava de ter a quem culpar se algo desse errado. E sempre dava.
Sua mãe sabia de todos os seus atributos e talvez por isso não conseguisse lhe largar o pé. "Ele tem imã para confusões", dizia quando alguém ousava se meter em seu estilo de educação para criticar seu zelo exagerado. Mas esse zelo se devia apenas pelo fato de que ela o conhecia bem demais. Ele tinha mesmo imã para confusões e se largasse dele por um segundo sabia que algo errado podia acontecer. O teve já fora de idade, era filho único, bonito como o pai. E zelava dele pela simples razão de amá-lo.
Ele às vezes não entendia, chegou a fugir dela por um tempo para livrar-se daquilo tudo, mas sua sina o acompanhou, e ele voltou aos braços dela depois de ter atingido o fundo do poço. Se destruiu, se perdeu, caiu em sofrimento. Percebeu que precisava do amor de sua mãe.
O menino cresceu, continuou se metendo em problema atrás de problema, e a cada um ele via a mãe chorar. Ela chorava de medo, medo por ele. Ele chegou a se ajoelhar na frente dela e prometer que não a deixaria. "Não conseguiria viver sem você", ele disse. E não importava o quanto soubesse que ele era inconstante, aceitou a promessa.
Mas então houve um dia em que ele se pegou olhando no espelho e percebendo que não se conhecia longe da asa de sua mãe. Não podia ficar ali para sempre, já era adulto e precisava caminhar com as próprias pernas. Precisava de alguns amigos - não dos aventureiros e destemidos, mas daqueles que encaram a aventura mesmo morrendo de medo - e de uma nova vida. Foi assim que, sem avisar, fugiu. Desapareceu, foi para onde não o encontrassem. Sabia que a estava decepcionando, mas foi mesmo assim.
E aquela mãe ficou esperando. Deixava ir a mil o coração a cada toque do telefone, chorava a cada vez que a campainha fazia barulho e procurava pelo rosto dele em cada multidão pela qual passava. Os anos se foram assim, e chegou um tempo que ela parou de esperar. Ficou louca, esquecida; perguntava o nome do marido três vezes no mesmo dia.
Sentada em sua cadeira de balanço que rangia a cada movimento, esqueceu que teve um filho.
E quando ele finalmente resolveu voltar, arrependido, ela não o conhecia mais e não quis um estranho em sua casa. Alguns dizem que ela fingia a loucura para não ter de lidar com os anos em que ele se manteve quebrando a promessa de que não a deixaria, não ter de lidar com o fato de que aquilo tudo que ele lhe dissera era mentira, aquilo de que não podia viver sem ela.
Mas se era fingimento, ela se manteve firme a ele até o fim. Não importava o quanto ele chorasse dizendo que a amava, ela não reconhecia mais aquela voz. E antes de morrer ela disse em voz alta: "vou, mas vou em paz, porque não deixei nenhuma alma para chorar por mim".

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Proclamação de paz

Tenho uma bandeira branca escondida debaixo da blusa, ando sobre os destroços da guerra que ainda não tem fim certo. Não se sabe se ainda restam inimigos espreitando atrás das árvores, não se sabe se existem minas terrestres enterradas sob o chão em que piso. Sinto as cicatrizes arderem e os músculos reclamarem do cansaço, só não posso parar enquanto não achar abrigo. Mas não tenho como saber se o primeiro que achar será um abrigo de tropas amigas ou não. O risco de ser capturada é pior do que a espera, sozinha.
E a bandeira continua bem guardada. Poderia simplesmente agitá-la enquanto ninguém estava olhando, mas os meus olhos ainda veriam esse gesto. Talvez tenha sido suficiente para mim ter me livrado da minha armadura no caminho - pensei diversas vezes em voltar, mas já andei demais. Não me importa que ter ocupado um braço com a função de guardar a bandeira branca me faça perder um pouco da agilidade e coordenação durante a caminhada: preciso saber que ela está segura.
Enquanto ando os cabelos me batem o rosto, vermelhos com a terra solta que se levanta, que teima em entrar nos olhos e dificultar a visão de alguns palmos diante de mim. As roupas rasgadas, sujas, e não reparei a falta de sapatos até pisar por acidente em uma poça d'água. Não exatamente água, mas lama, e uma lama gelada que instantaneamente me fez lembrar das longas brincadeiras de infância na terra molhada em dias de chuva. Parei e fechei os olhos, perdi os sentidos, relaxei.
Minha mão soltou-se da bandeira e ela despencou direto para a poça, manchando-se de vermelho e mudando de sentido. A apanhei e vi como se fosse sangue a terra vermelha que escorria por ela. O branco da minha bandeira estava indefinidamente extinto, sua ideia descansava longe de mim, e pensei se devia tê-la agitado pelo menos uma vez enquanto era branca. Percebi então que já o tinha feito. Percebi que enquanto andava, o tecido alvo da bandeira alisava minha pele, como se flamulasse por dentro do próprio abrigo que construí para ela.
A bandeira que agora sangrava ficou pelo caminho, porque abominei sua nova aparência e precisava deixá-la para trás. Chorei pela bandeira branca. Mas não lembrei que eu mesma estava naquele mesmo estado, suja de um sangue que não era meu, e, mais importante ainda, não percebi que se a tivesse trazido comigo, poderia ter usado minhas lágrimas para lavá-la.