quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Proclamação de paz

Tenho uma bandeira branca escondida debaixo da blusa, ando sobre os destroços da guerra que ainda não tem fim certo. Não se sabe se ainda restam inimigos espreitando atrás das árvores, não se sabe se existem minas terrestres enterradas sob o chão em que piso. Sinto as cicatrizes arderem e os músculos reclamarem do cansaço, só não posso parar enquanto não achar abrigo. Mas não tenho como saber se o primeiro que achar será um abrigo de tropas amigas ou não. O risco de ser capturada é pior do que a espera, sozinha.
E a bandeira continua bem guardada. Poderia simplesmente agitá-la enquanto ninguém estava olhando, mas os meus olhos ainda veriam esse gesto. Talvez tenha sido suficiente para mim ter me livrado da minha armadura no caminho - pensei diversas vezes em voltar, mas já andei demais. Não me importa que ter ocupado um braço com a função de guardar a bandeira branca me faça perder um pouco da agilidade e coordenação durante a caminhada: preciso saber que ela está segura.
Enquanto ando os cabelos me batem o rosto, vermelhos com a terra solta que se levanta, que teima em entrar nos olhos e dificultar a visão de alguns palmos diante de mim. As roupas rasgadas, sujas, e não reparei a falta de sapatos até pisar por acidente em uma poça d'água. Não exatamente água, mas lama, e uma lama gelada que instantaneamente me fez lembrar das longas brincadeiras de infância na terra molhada em dias de chuva. Parei e fechei os olhos, perdi os sentidos, relaxei.
Minha mão soltou-se da bandeira e ela despencou direto para a poça, manchando-se de vermelho e mudando de sentido. A apanhei e vi como se fosse sangue a terra vermelha que escorria por ela. O branco da minha bandeira estava indefinidamente extinto, sua ideia descansava longe de mim, e pensei se devia tê-la agitado pelo menos uma vez enquanto era branca. Percebi então que já o tinha feito. Percebi que enquanto andava, o tecido alvo da bandeira alisava minha pele, como se flamulasse por dentro do próprio abrigo que construí para ela.
A bandeira que agora sangrava ficou pelo caminho, porque abominei sua nova aparência e precisava deixá-la para trás. Chorei pela bandeira branca. Mas não lembrei que eu mesma estava naquele mesmo estado, suja de um sangue que não era meu, e, mais importante ainda, não percebi que se a tivesse trazido comigo, poderia ter usado minhas lágrimas para lavá-la.

2 comentários:

  1. Confesso que amei seu texto!

    Essa descrição rica em detalhes, o cenário é facilmente entendido pelo tom das palavras, pesado, forte e temeroso...
    Parabéns pelo texto! *-*

    http://mellbooks.blogspot.com.br/

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