Acostumamos nossos olhos ao feio, nossos ouvidos ao imoral, à calúnia. Acostumamos nossos lábios ao intragável, e à mentiras, e nossos narizes ao fétido. Acostumamos nossos braços à distância, e nossos abraços ao vazio, ao frio.
Pelos lábios de cada um de nós passam lábios estranhos, mãos estranhas acariciam nossas bochechas. Sorrisos que não exprimem nada, olhos que não sabem enxergar. Trocamos nossa humanidade pelo maquinal, nossos sonhos por dinheiro e nossa compaixão por ignorância. Acostumamos nossas mentes a duvidar do impossível, a rejeitar o divino, a rir da esperança. Deixamos que chamem nossa fé de fraqueza, deixamos que nos contaminassem com o ódio e a apatia. Acostumamos nossos cérebros com as imagens da televisão, nossos olhos com as luzes do computador, nossos polegares com as teclas inexistentes do celular. Trocamos os conselhos dos nossos pais pelos dos amigos instantâneos. Trocamos nossa saúde por fama, nos acostumamos a tomar a glória por alimento. Cantamos o que detestamos, vestimos o que nos deixa inseguros, dizemos o que o outro quer ouvir.
A liberdade de dizer um não foi trocada pelo medo de ser rejeitado. A precaução de recusar um copo a mais foi trocada pela busca de uma reputação que não queremos de verdade. Nossos sorrisos são vendidos em garrafas, nossos sentimentos transformados em números, e nossa vergonha é exposta em diferentes canais. Trocamos a confiança por cadeados, trocamos nossas vozes por lágrimas. Nos acostumamos a não amar, a não sermos amados. Nos acostumamos a nos vender por olhares, a olhar quem se vende. Corpos usados, cabeças perturbadas, mãos desobedientes, tiranas; bocas imundas. Mundo imundo, mal acostumado.