domingo, 28 de agosto de 2011

Sem controle

Comecemos pelo óbvio:É imediatamente após perder algo que o ser humano se dá conta do quanto realmente se importava com o perdido. Ao mesmo tempo, ele tem a capacidade de não sentir a mínima falta do que nunca experimentou, até ter um pequeno contato com aquilo. O homem não suporta a sensação da perda, porque é como se algo dentro dele o avisasse que ele está regredindo. E isso se aplica a qualquer coisa: relacionamentos, competições, sentidos.
Lá estava eu, sem conseguir abrir os olhos por apenas algumas horas e me desesperei. Não só porque enxergar é uma das coisas que mais gosto de fazer na vida, mas também porque tudo o que eu sou veio do que já vi até hoje, das coisas que eu parei para observar. É o que eu faço, não é? Sou observadora de nascença; aprendi - parafraseando Monteiro Lobato - a álgebra psicológica desde muito cedo, e isso é algo forte o suficiente pra sentir-se nas veias. Esses dias meus olhos me enganaram, e eu me sentia o Batman sem o cinto de utilidades.
E me pergunte com que egoísmo terrível eu me lamento por um simples problema de visão, que eu conto um pequeno segredo: a 19ª linha da página 138 me fez chorar, hoje mesmo. Era mais ou menos como se eu finalmente pudesse entender, claro que a ínfima parte, da dor que o meu Ray sentiu. Porque ele mesmo já tinha visto tanta coisa que sua mente já tornara-se um livro de fotografias de um paraíso particular. E ele precisava rever as fotografias todos os dias.
Parei pra pensar e percebi que a macabra arte de controlar gente - ao se criar personagens todos seus - não é de todo controlável. Se eu não tivesse construído uma relação mental com meus personagens percebi que eles teriam mais momentos ruins. Mas são apenas pobres crianças, filhos de um movimento literário cruel quando magnífico, e nada podem fazer quanto a isso. Eu, que não me isento de piedade, deixei-os controlar-me. Por isso choro quando não os vejo felizes. Sim, sim, hoje eu me sinto maternal e superprotetora, e é nesse caso que peço para perdoarem-me os clichés, sabem que não acontecem sempre.
Então criaças, se em algum lugar do meu subconsciente vocês podem me ouvir, lá vai: deixem a mamãe trabalhar em paz!

domingo, 14 de agosto de 2011

Cantemos

Eles disseram para olhar para trás e ter certeza de que se deixou o que devia ter deixado. Nós fomos em frente e jogamos coisas pelo caminho, e sentiremos falta de memórias que se foram junto. Então ficamos e desejamos ter tido coragem de voltar uma vez pra se levar só mais uma fotografia, porque havia espaço na mala.
Mudamos de rumo, esquecemos as instruções do GPS e finalmente parecia que chegaríamos a algum lugar. Mas o lugar era vazio, você dirigia com um sorriso no rosto enquanto o sol te cegava. E você estava mesmo cego, eu podia notar. Fizemos nosso piquenique ali e eu fiz pose para as fotos que ninguém nunca tirou.
Estávamos tão cansados. Eles disseram que havia lugar na hospedaria. Devíamos tê-los ignorado; desde quando eles nos dão bons conselhos? Eles deixaram os bons para serem vendidos, e eu não tinha nenhum dinheiro para pagar por eles. Você gastou o seu com jogos de video-game com que pudesse conversar quando eu não tivesse mais paciência.
A distância fica maior, e quando voltamos para casa estamos na casa errada. Será que gostaríamos de estar aqui um pelo outro? Preferimos o silêncio; é muito menos dramático e complicado. Eu prefiro o silêncio.
Senti cheiro das ruas de Madri, mas era só você fumando do outro lado da sala.
Eles nos mandaram olhar para trás e eu vi que tinha deixado você.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Quando se precisa de perguntas

Conversas vãs, horas gastadas à toa. Sente-se e pergunte-se o que vem a seguir. Acréscimos, sorrisos falsos. Já não cansa mais esquecer-se todos os dias? A vida está mais mecânica, criaram dias disso e daquilo; ninguém realmente sabe por que comemoram. Comemorar sim a vida, porque perdê-la é simplesmente não poder esperar por mais nada. May, diga-me como é o outro lado.
Tenho feito careta para os clichés, outros tem feito comigo porque fingem. Ou porque os abominam também, quem pode julgá-los? Aquelas palavras que disse, as vezes que ri de qualquer besteira que escutei. Meu Deus, parar de rir para que ninguém revire os olhos e me julgue infantil? Agradá-los a que ponto? Mas sou eu quem preciso deles. May, conte-me se a sua seriedade tem sido útil.
Perder amigos porque eles cansaram de parar e de pensar no que tenho escrito. Sinto meu corpo fadigado de febre e mesmo assim procuro incansável pela fórmula secreta contra a preguiça. Digo ainda que as palavras são todas erradas, porque teimam em escorregar de meus pensamentos e caírem ao chão como cai fruta madura do pé. May, ajude-me a colher as palavras na hora certa, a controlá-las.
Não, não é fácil. Mas também não é desesperador. É sólido, consistente, então é algo em que se pode medir o futuro. O tempo, é claro.
E nesse vai e vem de insegurança e peito erguido, me pergunto se a frescura já me atingiu tão forte assim ou são só desculpas. Cansei, de verdade, de esperar que entre mim e tal ser as coisas voltem a ser aquele drama simples e a praticidade complicada dos velhos tempos. Tudo bem que crescemos, mas, como uma planta, quando ela cresce demais precisa ser podada. Como a torre de Babel, que confundia os homens quanto mais alta ficava. May, conte para mim como é não saber o que sentir e saber que não há saída. Conte-me e eu peço perdão por tê-la destinado a morte.