Esse pedaço de terra que eu tenho se chama mundo. Se fosse só meu seria poesia. Sem rimas, versos brancos, livres, porque as palavras são donas de si, e elas gostam de brincar de roda. Mas eu divido o mundo. Tenho dividido com as crianças brincando de bola nos dois metros quadrados de varanda das casas padronizadas de interior, com as chaminés de ricos quietos que rasgam o mato como espinha no nariz depois da Páscoa. Divido com as estradas entre as montanhas e a moça grávida do quinto filho carregando roupa lavada na cabeça. E com as cabeças de gado que esperam enfeitar a mesa do homem da cidade, e as plantações repetidas por quilômetros. Tudo meu.
Divido com as propagandas políticas nas casas pobres, com a moto barulhenta pela estrada de barro. Divido com a pipa presa no fio de telefone, com a inchada capinando o chão, a cruz no acostamento. Tudo, tudo isso é meu. E ainda divido com o açude pouco cheio, e os gatos garimpando arroz que cai dos pratos. Com a inveja dos doutores, a humildade das casas de barro, a alegria do trigo quando esbarra no vento. Tudo é meu. É meu e é poesia, mas poesia rimada.
Poesia que para quando ordenam, mas que atropela povoados inteiros de necessidade fingindo não olhar. Poesia que segue bonita como brincadeira, e às vezes se cansa de tanta fumaça. As palavras dão as mãos e vão juntas, e são minhas porque eu as escrevo. Mas só minhas, porque poucos as guardam.
O mundo é meu, e é demais, e os que participaram da minha divisão não o suportam. Eu muito menos, mas nada posso fazer, porque é meu. Meu e dos outros, mas poucos o sabem.
Esse pedaço de terra que eu tenho se chama mundo. E no final de tudo, depois das divisões, das brigas pela maior parte, das lágrimas de quem nada conseguiu, depois de tudo isso, deixo o mundo de lado e volto pra mim, para a doce cantiga de ninar que meu violão, inerte e indiferente, canta ao mundo para que ele vá dormir.
Olá, Jules!
ResponderExcluirEu costumava a cercar meu mundo com muros bem fortes... Bem, acho que eu ainda faço isso.
Quero convidá-la, para visitar o blog da Milena Liebe (http://melissaliebe.blogspot.com, está com o nome da filha dela). Este blog é uma nova experiência e requer uma boa dose de imaginação e a colaboração para que dê certo.
Abraços.
Denir.
A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer "escrever claro" não é certo mas é claro, certo?
ResponderExcluirObrigada por seguir o clube dos novos autores! Seja bem vinda e participe de nossa promoção, comentando-nos apenas!
Estamos te seguindo!
Um abraço.
Adriana
Clube dos novos autores