sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Testamento de vida

Estando eu aqui, parcialmente lúcida enquanto entregue à loucura, olhos apontados ao céu enquanto caio ao chão, no dia que conta um a menos até a minha morte, quero dividir igualmente meus bens entre os que amo.
Mas o que tenho eu senão o que a pouca idade me permitiu juntar? Assim pois, começo citando um dos meus mais preciosos bens materiais. Tenho agora perto de mim a doce cantiga de ninar das cordas do meu violão; cantiga feita por diversos ritmos, diversas vozes que se juntaram à minha; cordas que choraram aflitas, surpresas, perdidas. O violão é mimado, manhoso, então peço que o dono seguinte seja compreensivo quando ele pedir colo, quando ele quiser ouvir uma história antes de dormir. Ele foi um dos meus melhores companheiros e eu o deixo com aquele cuja verdadeira voz vem do coração.
Quanto às músicas que vieram do violão, eu achei justo que pertencessem a outra pessoa, porque a melodia e a canção precisam aprender por si mesmas a importância de juntarem forças sem esperar por alguém que o faça. As músicas são por direito daquele que acha que é bom sozinho. Mas até mesmo as ilhas precisam do mar para ganharem o nome.
Para o que sonha eu deixo a melhor aventura da minha vida, eu deixo as inúmeras conversas com meu travesseiro, as imagens por trás de minhas pálpebras, as vezes que sonhei sozinha e as lutas que enfrentei. Espero que para o sonhador não seja um fardo receber junto com minhas histórias algumas noites mal dormidas, algumas broncas dos mais velhos, algumas palavras tristes, falsas promessas, porque a parte boa, se não for só ao meu ver, é realmente muito boa. Nenhuma escola é capaz de ensinar a se conhecer como faz o ato de pensar em várias definições para uma coisa só, apenas a lendo outra e outra vez. As histórias são sobre quem as lê, então não negue que pode se enxergar nelas. Revide. Que elas possam te fazer querer escrever sobre mais alguém pra que o ciclo se complete.
Fiz desenhos durante a vida, e o que me faz sentir penar em partir é pensar que nunca mais poderia vê-los. Conheci alguém que sorri ao ver o lápis interagir com o papel, aqueles dois grandes amigos, é é a esse alguém que eu deixo meus desenhos: à amizade. Não rabisque e faça o favor de não amassar ou partir em pedaços, porque o que se constrói com esforço e carinho deve ser preservado. Isso é pedido sincero.
Gostaria de deixar um pouco de minhas memórias para cada um que já passou por mim, mas logo quando comecei a escrever percebi que já as distribuí durante a vida, e mesmo que algumas tenham se perdido, eu não me arrependo da distribuição prévia.
Não posso esquecer do amor. Se esse veio no fim da lista não pense que eu não sei da importância que ele tem. Querendo me justificar, eu digo que é porque não sei ainda o que fazer com ele. Sendo esse o meu último pedido, talvez eu possa ser um tanto egoísta e pedir aqui que todo amor que carrego seja enterrado comigo. Se você acha que não fará falta - agora contrariando todo o sentido de um testamento - deixe um pouco do seu amor para mim, para agora e para quando eu não estiver mais por perto.
Minhas economias estão no canto de sempre, então dividam com honestidade. Mas duvido que vá haver brigas quanto a algo tão banal quanto o dinheiro.
Por fim deixo aqui meus ombros para quem quiser chorar, meus lábios para quem quiser um beijo e a certeza de ainda continuarei por aqui por muito tempo. Aguardo minha doença terminal ter seu fim para que isso seja lido entre sorrisos e para que eu ganhe um abraço no final. Porque da velha excência do ser, morre um pouco todo dia. Eu estou apenas começando a viver.

2 comentários:

  1. Foram-se as notas do violão.
    Mas a vida continua.
    Muitos beijos viram, com outras notas.
    Eu quero notas e beijos. rsrs.

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  2. Que lindo, Israel, obrigada! Temos que colocar o papo em dia, né? Beijos

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